23 de julho de 2006

No campo

O campo está cheio de bicharada.
Num dia apenas, vêem-se mais animalejos que num programa da National Geographic.
Ovelhas, pardais, corvos, corujas, sardaniscas, até uma toupeira. Morta. Reconheci-a pelos olhos minúsculos e patas curtas. E por não se mexer, mesmo quando cutucada com um pau. Aquele líquido viscoso a escorrer do flanco também não indiciava uma saúde de ferro.
Adiante.
Moscas, centenas.
Abelhas, milhares.
Dezenas, centenas de milhares.
Não se consegue estar parado. As abelhas não deixam.
E aquele bicho que vi esgueirar-se para um curral e pensei ser uma ratazana, era um porco-espinho.
Parece que gosta dos sêcos dos gatos.

Estar no campo não é assim tão diferente de estar na cidade.
Também há pardais, por exemplo. E moscas. E obras. Muitas obras.
É a paixão nacional.
Se a Esfinge de Gizé fosse dum português, já teria um anexo para arrumos. Ou uma garagenzita.
Aqui mesmo em frente, do outro lado da estrada, cresce com vigor uma casa de estilo híbrido: os Alpes, a Baja California e a Escandinávia contribuem em partes iguais para o seu desenho.
Daqui a umas centenas de anos, os intrigados etnólogos vão ter trabalho duro por aqui.

Ao lado da casa-ovni em construção há outra, quase pronta e concebida segundo moldes arquitectónicos também eclécticos, que abriga uma cadela Boxer que dá pelo doce nome de "Boneca".
O nome é menos paradoxal do que parece, pois desde que cheguei ainda não a ouvi ladrar. Nem nenhum outro cão, agora que penso nisso. Talvez os cães tenham gostos arquitectónicos de exigência acima da média.
Em contrapartida, abundam os gatos. Todos os dias vejo um diferente por aqui. São atraídos pela generosidade em matéria de paparoca. Há-os grandes, pequenos, malhados, pretos, cinzentos, brancos, fêmeas, machos, ariscos, curiosos.
E há uma gata prenha.
Em breve serão mais.
Talvez a "Boneca" se sinta cercada e ache mais prudente uma atitude discreta.

Que nome dar à gente do campo?
Campónios soa ofensivo, campinos são doutra zona, campistas doutra espécie.
Campestres? Generalista.
Camponeses? São cada vez menos.
É melhor continuar com gente do campo.
A gente do campo não usa relógio.
Mas toda a gente do campo usa telemóvel.
É a proverbial imagem publicitária do pastor "Tô Xim", toques polifónicos irrompem do milheiral e sobrepôem-se ao chilrear da passarada.
Um dia destes, desaparece o camponês de enxada ao ombro.
Um toque no teclado e a Ceifex-Cavadex 5000 faz toda a labuta.

11 de julho de 2006


Vai Ricardinho! Tu que és o escolhido!
E agora deu-me para isto! Não tinha eu mais nada que fazer, senão dar vivas aos homens das bolas :))

10 de julho de 2006

continuação, porque faltava a imagem


Dá-lhe agora que podes!!

A esperança é a última a morrer!

Vai Figuinho, vai que tu és capaz e mais vale tarde que nunca! E já que chegamos sempre tarde a tudo, talvez ainda consigamos ganhar, mesmo já tendo terminado o campionato...
:))

7 de julho de 2006

Freakonomics

É popular, já vendeu milhares, mas isso não significa que é mau. Pelo contrário.
Mais que um livro sobre economia, área aliás que não toca senão à tangente, Freakonomics é sobre o senso comum e a distinção entre correlação e causa-efeito.
Digere-se sem esforço hercúleo, está bem escrito (embora a tradução tenha um ou outro pormenor irritante) e inclui um punhado de boas histórias. Agradou-me em particular a de um homem com nome de chapéu e de família americana presidenciável, Stetson Kennedy, que sozinho foi o grande responsável pela quase extinção do Ku Klux Klan.

6 de julho de 2006

Super marcado #1

Os cépticos não acreditam na sua existência. Os crentes também não, embalados pela mitificação contínua que os transporta para outra dimensão, a dos sonhos. É preciso estar atento para notar que eles estão no meio de nós, discretos e vigilantes.
Foi há três semanas que, pela primeira vez, me cruzei com Super-Heróis. Não um, mas dois.
Acabara de tomar o pequeno-almoço no café do Senhor José, um desses espaços antigos reconvertido em sala de espelhos e cromados de acordo com o gosto modernaço. O café e o cigarro faziam das suas no meu tracto digestivo, e com discrição soltei uma bafo silencioso, a bem dizer uma bufa. Reparo então que, na outra ponta do balcão, um cliente esboça um sorriso matreiro e lança olhares furtivos na minha direcção. Penso, com embaraço súbito, que a sonoridade inexistente da exalação não o poderia ter alertado, muito menos o odor que, existindo, não tivera tempo de se propagar naquela distância. «Parece que o divirto, cavalheiro», disparo com alguma rispidez visando o sujeito. «Ora, ora, não se amofine», retorquiu ele com singular arcaísmo, «sorrir da libertação de gases não é infantilidade minha, é maldição». Caramba, pensei, é mesmo verdade, existe visão de Raio-Traque.

(continua)